Chega a esta altura do ano e o corpo, habituado a outros areais, começa a clamar por praia e mar. E o corpo quando começa muito a querer uma coisa, não se cala. Farta daquela gritaria que se impunha a partir do momento em que abria a janela do quarto, sete da manha e já um sol frio e tímido a bater-me nos olhos, quinta-feira, lá resolvi fazer a vontade ao corpo. Saída do secretariado de exames às 2 da tarde, sigo de enfiada para a praia, relembrando as tarde de praia depois dos exames nacionais, no Portinho há quatro anos atrás, relembrando as tarde de praia no Tamariz há dois anos atrás…Este ano, relembrando tudo isso, conduzo o corpo pelo meio de um intenso cheiro a bosta e acabo na praia da infância, de onde pensava que já tinham desaparecido as vacarias a menos de 5km da areia. Lá chegada e o corpo a começar a sentir uma brisa, o corpo a começar a sentir um vento, o corpo a começar a sentir um vendaval e ainda assim, eu na fase da negação, naquela do “ali ao pé das dunas é que vai ser abrigadinho”. O corpo. Arrasto-o pelo areal quase vazio, o pára vento, a toalha, o corpo Paris-Dakar numa praia do Norte, os olhos estúpidos de areia, lacrimejando e ainda assim, resistindo. A primeira paragem é feita ali mesmo no meio, tão bonito, quase deserto. O corpo de joelhos a tentar enfiar o pára-vento na areia, o corpo aos tombos a correr atrás dos óculos de sol, o corpo a deitar-se devagarinho atrás do pára -vento azul. A tempestade, a tempestade a aproximar-se. A areia a ser disparada contra as pernas, o cabelo num reboliço, a boca, meu deus, a boca a comer areia. O corpo a dizer que final não estava assim tão bem. Toca de desmontar a tenda, correr mais um bocadinho atrás de uma sandália, levantar o pára-vento e ir para trás das dunas. Novamente montar o estamine….lamber o corpo de protector solar. Aparentemente ninguém e a tempestade a dar uma trégua. Cinco minutos e a tempestade a voltar. Com ela um sujeito ao longe, qual Rommel e eu a pensar: “olha, vais ser violada no Saara, filha!”. O Rommel a aproximar-se e a perguntar se eu tinha horas. Não tinha. Se eu por acaso, não queria ser namorada dele. Também não queria. Ele e a afastar-se. Eu a ajoelhar-me atrás do pára-vento a ver se ele se tinha realmente ido embora. Mais uma cuspidela de vento pelos olhos dentro. Uns cinco minutos depois, o corpo tinha como segunda pele uma camada de areia que dava para restaurar o areal da Costa durante os meses de Verão. Desta vez não lhe pedi opinião, ao corpo, levantei o estamine e fiz a penosa caminhada de regresso à civilização e ao mundo das vacas e da bosta, coberta de areia e com uma otite em franco desenvolvimento.
domingo, 20 de junho de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Simone, como você escreve bem!!
Bípede, obrigada:)
Ri-me muito com isto. Lindo.
Enviar um comentário