sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Uma mulher rica

Uma mulher rica terá um jantar com quem gosta no sábado. Matar saudades é o único homicídio que jamais dará cadeia e ainda causa um bem danado à alma. Uma mulher rica acordará com sol no domingo. Encontrará o E. à porta da Casa da Música, por entre vento e cabelos revolvidos. Um café no Bar dos Artistas. Uma caminhada a pé pelas ruas. A entrada numa casa de onde se vê o céu e o horizonte. Italiano como língua servida ao café. De dois passam a quatro e há estrada. Uma mulher rica há-de percorrer quilómetros. Parar em Vila Real, comer pastéis da terra e voltar ao caminho. Há-de ver o Douro lá de cima, submisso e ainda assim íntegro e inteiro. Chegará a meio da tarde a uma Vila com um nome que se lhe entrança no corpo e estremece, como as folhas do Outono que desmaiam: Vila da Rua. Em Vila da Rua, pelas cinco da tarde, haverá música clássica numa igreja, tocada por eles, para um povo que a encheu de curiosidade e de espanto. Um frio de Inverno a cair com a noite e uma mulher rica a sentar-se à mesa e a beber Porto. A sentar-se à mesa e a comer carne tenra com centímetros de altura. A sentar-se à mesa e a falar de Aquilino. Uma mulher rica há-de voltar pela estrada escura. Estarão a cantar quando…a mulher rica, começa a ficar pobre e de pobre, passa a ser uma mulher à beira de um ataque de nervos. O sinal de falta de combustível apitou e nessa altura, a ainda mulher rica, olhou-o e perguntou se ele não quereria abastecer. Não quis. Era tarde e estavam quase a chegar. Exagero da mulher rica. A 5 quilómetros de casa, o Touro, tão carinhosamente tratado pelo dono, engasgou-se e depois de se engasgar, o Touro parou. Simplesmente. Parou ao pé de uma raia que apanhava a bifurcação de uma entrada. Os homens saíram para a a noite e telefonaram. A mulher rica e a mulher italiana trocaram opiniões sobre o insólito. Meia hora e a ajuda possível era cara e a barata não parecia estar possível. Uma da manha marcava o relógio, quando a outrora mulher rica viu a gasolina ser introduzida no Touro e o Touro, bom o Touro nem se mexeu. Faltava-lhe bateria. Por razões que só o dono e o Touro conhecem, havia cabos na mala e um carro, o mesmo que trouxera o combustível, a servir de coração. O Touro ressuscitou. A mulher acalmou-se lá pela uma e meia da manha trémula pelo frio descomunal na A1. Chegou a casa pobrezinha como a noite, exausta também e com a leve sensação de que, de um minuto para o outro, se pode perder irremediavelmente uma fortuna.

2 comentários:

Bípede Falante disse...

Adorei o homem rico e agora estou encantada com a mulher rica também :)

Chica Bacana disse...

Genial.