quinta-feira, 15 de abril de 2010

"Por uma vida melhor"

Quando ouvimos alguém a falar assim dos nossos, comovemo-nos. Quando ouvimos alguém que vê assim os nossos, perguntamo-nos porque não os vemos também nós assim, porque não nos vemos também nós assim. Gérald Bloncourt fotografou o que fomos na década de 50, 60 numa Paris que se ofereceu miserável para muitos dos nossos que lá chegaram miseráveis. Bairros de lama onde às vezes os sonhos não se cumpriam, mas onde a honra e a generosidade se mantinham aprumadas e limpas, como a roupa que penduravam em cordas nas barracas. As fotografias mostram isso, gente pobre, gente humilde, mas gente com coragem, gente com palavra. Passados 50 anos, Gérald Bloncourt voltou ao que resta dos bidonvilles onde há meio século fez imagens dos homens, das mulheres, das crianças, dos avós, dos pais, dos netos, que dão agora origem a um conjunto de fotografias a que chamou “Por uma vida melhor”. E passados cinquenta anos Gérald Bloncourt ainda se lembra de nós. No documentário que Carina Branco, uma luso descendente, fez sobre o fotógrafo de origem haitiana, as fotografias a preto e branco, cheias de verdade e de medo, cheias de vontade e de fome, mostram uma geração que não está assim tão longe da nossa, a dos nossos avós, as dos nossos pais, e que, no entanto, nos parece tão distante. Como falamos, quando falamos dos que emigraram? Como olhamos, quando olhamos para esse pedaço da nossa história? Há um preconceito e uma ignorância que nos fecha os olhos. Não interessa. Gente pobre, gente ignorante. Gente que foi e voltou sem cultura ou que, simplesmente não voltou e que cá não faz muita falta. Gente. Povo. Mas como fala Gérald Bloncourt quando fala dos nossos que emigraram? Como olha, quando olha para esse pedaço da história? Com clarividência, com generosidade, com orgulho de um povo que não é o seu povo, mas que conheceu por dentro. Fotografou-os, mas não só. Sentou-se com eles à mesa, dançou nas suas festas, bebeu do seu vinho. Mais tarde veio à terra deles, à nossa. Fez os caminhos da clandestinidade e voltou para o 1.º de Maio depois do vigésimo quinto dia de Abril. No mesmo avião que trouxe Cunhal, recorda o incessante bater de pés que fez temer a queda do avião por parte do Comandante! Recorda uma revolução, para ele, a Revolução. Quando ouvimos este homem que já passou os oitenta, o orgulho alinha-se dentro de nós, apruma-se mas faz-nos baixar os olhos. Somos os filhos deles, mas às vezes envergonhamo-nos dessa pobreza. Já não somos assim, não queremos. Somos os filhos deles, dos que se indignaram e se levantaram. Somos os filhos deles, mas somos os que nos queixamos e ficamos. Talvez não tenhamos o orgulho que deveríamos ter neles. Mas eles, muitas vezes, devem hoje, ter vergonha de nós.

2 comentários:

Chica Bacana disse...

Eu vi a exposição no CCB já há uns tempos. Muito bom.

Mínimo Ajuste disse...

Oi! Tudo bem contigo?
Eu estou organizando um cadastro do Mínimo e gostaria de saber o dia e mês do seu aniversário e de que cidade você é.
Você pode me dizer por aqui ou me enviar por email?
E vê se aparece lá para escrever :)
Beijo.
Bípede