quinta-feira, 10 de junho de 2010

Isto do acidente da miúda de Lamego, trouxe-me nos últimos dias a lembrança da Zélia à minha vida. Eu conto-vos. A Zélia chegou à aldeia e à escola primária quando nós já estávamos na terceira classe e se por um lado achávamos a Zélia muito parecida connosco, por outro havia algumas coisas que nos faziam alguma confusão: a Zélia não aprendia nada e as mamas da Zélia cresciam muito. A família também não ajudava muito à normalidade que nos rodeava: os dois irmãos eram muito gordos, o pai não trabalhava e a mãe comprava duas dúzias de pães todos os dias na padaria. A verdade é que eles não eram muito iguais aos nossos mas isso não nos preocupava muito. Quando passamos para o quarto ano, o irmão mais velho da Zélia, morreu num acidente de moto e com o dinheiro do seguro, o pai, mesmo não tendo carta, comprou um carro. Aos sábados, quando passávamos para a catequese, detínhamo-nos atónitos à porta da casa da Zélia, enquanto ela e o irmão Gordo limpavam o carro e o pai bebia umas cervejas e preenchia os boletins do Totoloto e Totobola. A verdade é que naquela altura ainda não havia os Subsídios do estado, mas havia, com a graça de deus, os jogos da santa Casa da Misericórdia e…uns meses mais tarde, o pai da Zélia ganhou 12 mil contos no totoloto. Conservaram a casa de campo, mas decidiram comprar no décimos segundo andar de um prédio de 20 andares um T3 com vista desafogada. Mudaram-se para a cidade. Levaram o carro e a mãe continuou a dificultar o acesso do gordo aos 24 pães. Aguentaram-se uns meses na cidade até que o Gordo protagonizou uma cena de salvamento quando, na tentativa de chegar aos pães, resolveu passar de uma varanda para a outra lá no 12.º andar. Aquilo assustou os transeuntes e arrepiou caminho ao Gordo que ficou indeciso e pendurado numa das varandas. Lá o conseguiram salvar mas perante isto, a família resolveu voltar á aldeia e com tanta viagem o pai tinha resolvido também tirar a carta. Assim, no Verão quente de 92, depois de uns meses a insistir no código, lá conseguiu passar e resolveu brindar a família com a primeira voltinha no automóvel. Não chegaram à aldeia, na primeira curva, ao sair da cidade, o pai despistou-se, galgou a ponte e aterrou com a prole em cima da ramada que dez metros abaixo, cobria o riacho. Lembro-me que voltávamos da praia e havia uma grande fila de trânsito. Lembro-me que na porta do pendura havia uma mancha de sangue e lembro-me que do voo resultou apenas partida a cana do nariz da mãe. Infelizmente, para esta miúda, os voos nem sempre correm menos mal. Não sei o que é feito deles. Presumo que o nosso bondoso Estado tenha tomado conta do destino da família, que a crise não os afecte muito e a esperança no euro Milhões lhes alegre agora os sábados.

1 comentário:

Chica Bacana disse...

Adoro esta história.