quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Rituais

Conheço-o do café em frente à escola. O Sr. Luís. Não lhe sei mais nenhum nome, não lhe consigo adivinhar a idade, nem lhe imagino a casa. A mulher é baixa, quase gorda, esperando mais uma década para o ser em pleno. O filho não é parecido com nenhum deles. Esgueira-se às vezes por entre o balcão e as pernas do pai, mas isso ao fim da tarde, quando às vezes entro apressada, à procura de qualquer coisa doce que me sustente na água a hora seguinte. Às horas em que conheci o Sr. Luís, não há filho nem mulher e estranhamente, há quase sempre silêncio. A televisão muito baixa a um canto do café. O Sr. Luís parece-me não gostar de barulho. Cultiva uma tristeza sossegada, dessas que crescem anónimas nos cantos dos jardins de Inverno. Reparei-lhe primeiro nas mãos – transparentes e nos olhos que nunca cruzam os meus. Procuro-os pelo balcão que ele limpa até brilhar. Estão sempre lá pousados os olhos dele. Da primeira vez que lhe vi a mulher imaginei-os. O Sr. Luís e ela, numa cama com lençóis de flanela. Ela de olhos postos no tecto. Ele a procurá-la uma ou duas vezes no mês. Um amor pálido, doente, diabético, sem açúcar e sem sal. Talvez ela um dia o traia…mas não me parece que se dê ao trabalho de procurar, a traição, só se ela lhe bater á porta, esbarrar-se no corpo balofo que carrega. Então, sim, ela poderá agarra-la. Começou a tratar-me por menina, o Sr. Luís. A colocar-me em cima da mesa o café cheio. Uma pastilha de menta. Os olhos também. Comoveu-me aquela leveza muito muda. Depois soube-me professora e é assim que agora me trata. Sra. Professora. Sabe-me a qualquer coisa antiga e respeitável. O café tem piorado nas últimas semanas e agora já nem lhe preciso de falar. Ele chega-se a mim, pousa o café que de cheio quase transborda. A pastilha de menta. Os olhos. Tudo em cima da mesa. Sra. Professora. E eu não sou capaz de mudar agora para um café curto, de lhe provocar esse terramoto nos hábitos. Deixo-me estar. Olhos nos jornais diários. Um obrigada. O café cheiíssimo a custo. Até amanha, Sr. Luís.

2 comentários:

Anónimo disse...

acho que devia dizer :Hoje apetece-me um café curto. E a verá os olhos do senhor a brilharem de imaginação do porqué dessa mudança

Simone de Oliveira disse...

Caro/a Anónimo/a,

vou seguir a sua sugestão e abalar o mundo interno do sr. Luís. Darei notícias a esse respeito:)