Ás 3 da tarde leio a receita: tarte de maçã com cobertura crocante.
Devia ter suspeitado que aquela quantidade absurda de farinha atirada para cima da massa, sem ser mexida, sem ser revolta, era mau pronúncio. Como em tudo na vida, as coisas para terem gosto devem misturar-se umas com as outras e a farinha, queria-se ali, orgulhosamente só, por cima da massa e da maçã.
Ás 3 e meia da tarde, ignorando o egocentrismo da farinha, atirei-me aos ovos, à manteiga, à forma. Um nojo, em menos de 10 minutos tinha a cozinha num nojo.
Meia hora depois, aquilo, aquilo que se diz, tarte de maçã com cobertura crocante, estava pronta para ir ao forno.
Ás 4 horas, continuava a tentar ligar o forno da cozinha da casa dos meus pais, e suava e bufava e revirava as grelhas e aquela porcaria não acendia.
Ás 4 da tarde, com o forno já aceso, a cozinha feito campo de batalha e a tarte já ao lume, começa a sentir-se um cheiro estranho.
Ignorei solenemente. Sentada no sofá da sala, pensei: é a porcaria da farinha a misturar-se com o resto, snobe dum raio ainda por cima teima em cheirar mal.
Ás 4 e 10 da tarde, o cheiro da farinha snobe, confundia-se com o cheiro de um incêncio. Um cheiro de infância, quando o primo pegou fogo á palha do galinheiro na casa da avó e por pouco não houve mortos. As galinhas.
Resolvi levantar-me. Segui a nuvem de fumo, como sinal primitivo de contacto: a besta da farinha queria travar-se de conhecimento. Bom, já não era só a farinha...o forno ardia e não sei como, nem porquê.
Ás 4 e 15, desliguei o gás e atirei com água para dentro do forno, em mais uma ideia de uma tarde de ideias inteligentes. Apaguei o fogo. Resgatei a tarte.
Agora, a esta hora, ninguém entra na cozinha. Eu, sinto-me uma refugiada gastronómica, apatria e pestilenta. A puta da farinha, nem na iminência de um destino ainda mais trágico, se dignou a misturas.
Amanha, experimento outra receita.
1 comentário:
Pelo menos a temperatura aí em casa aumentou um bocado. É que já não se aguenta este tempo, não se aguenta!
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